Monday, August 03, 2009

Os mortos de línguas cortadas – ficção e realidade em Nove noites,
de Bernardo Carvalho
Cid Ottoni Bylaardt *



Resumo
O romance Nove noites, de Bernardo Carvalho, entrelaça morte e escrita numa narrativa intrigante, evidenciando os tênues limites entre realidade e ficção. A realidade dos fatos é buscada tenazmente pelo narrador jornalista, que a partir de certo momento, paradoxalmente, revela a preocupação de que o real arruine a ficção, por mais que esta pareça estar entre as expectativas do leitor. A escritura, entretanto, avança sem se deixar determinar, conduzida por locutores não-confiáveis, indecisos entre a verdade e a mentira, o real e a ficção, desembocando na questão da morte como impossibilidade de dizer e também de calar.
Palavras-chave: ficção e realidade, escrita e morte, impossibilidade de dizer e de calar





Em “La littérature et le droit a la mort” (2003, pp. 314-318), Blanchot fala da linguagem, de seu efeito tranquilizador, por um lado, e inquietante, por outro. Nas palavras de Iser (1996, p. 303), a linguagem, o texto propiciam um “jogo instrumental” e/ou um “jogo livre”. No jogo instrumental ocorre uma tendência ao apaziguamento, à segurança, à compreensão, enquanto o jogo livre inclina-se a escapar às determinações elementares do uso.
Essas duas concepções similares refletem sobre as diferenças entre linguagem corrente e linguagem literária. A linguagem possibilita a facilidade e a segurança da vida, quando nos permite o domínio das coisas, o que não teríamos se elas não tivessem nome. Nossa civilização aprendeu cedo que nomear o mundo é apossar-se dele. Blanchot cita Hegel para ilustrar o domínio dos homens sobre as coisas pela palavra: “Le premier acte, par lequel Adam se rendit maître des animaux, fut de leur imposer un nom, c’est-à-dire qu’il les anéantit dans leur existence (en tant qu’existants)” (BLANCHOT, 1997, p. 311).
O encanto original da utilização da palavra parece ter cedido lugar a uma certa inocência e sangue-frio, possivelmente por causa da perda da relação do significante com o objeto, provocada pelo uso. Quando o significado me chega por via do significante, o objeto é suprimido, privando-se de seu ser, que me chega como eflúvio, vestígio, resíduo, como Blanchot, parafraseando texto bem conhecido de Mallarmé , assinala:

Je dis une fleur! Mais, dans l’absence où je la cite, par l’oubli où je relègue l’image qu’elle me donne, au fond de ce mot lourd, surgissant lui-même comme une chose inconnue, je convoque passionnément l’obscurité de cette fleur, ce parfum qui me traverse et que je ne respire pas, cette poussière qui m’impregne mais que je ne vois pas, cette couleur qui est trace et non lumière. (BLANCHOT, 2003, p. 316).

Nessa linha de pensamento, nomear algo equivale a matar o ser, falar assume o estranho direito de tornar ausente o ser, de aniquilá-lo. “Nommer le chat, c’est, si l’on veut, en faire un non-chat, un chat qui a cessé d’exister, d’être le chat vivant” (BLANCHOT, 2003, p. 314). , Ao ser nomeado, o gato torna-se o ausente de todos os telhados, isto é, deixa de ser um gato, transformando-se numa ideia, contrariando a avidez de denotatividade reivindicada por Sartre em um momento de reflexão em meio às marcas do horror da guerra. Assim, a linguagem comum mata o gato e o ressuscita na ideia, restituindo-lhe as certezas que tinha no plano da existência (mamífero, quatro patas, rabo, bigodes, orelhas pontudas...), certezas muitas vezes mais estáveis do que o próprio ser, tornando-se inclusive certezas duradouras em alguns casos. Construções linguísticas, metafísicas. Para ficarmos tranquilos, seguremos as palavras, impedindo que elas retornem às coisas, para que nos mantenhamos senhores delas, sempre sãs e ao nosso inteiro dispor.
A linguagem mata pela possibilidade da morte, isto é, ela mata porque o objeto a que ela se refere está ligado à morte por um laço de essência: os seres morrem porque podem morrer.
Na linguagem da ficção a situação é mais problemática. O discurso literário é inquieto, contraditório, instável. Interessa-se pelo sentido, pela ausência da coisa, e quer alcançar o sentido nela mesma, por ela mesma (independente da coisa, que agora não tem existência mortal), visando à compreensão do que não se pode compreender. Aqui, gato não é apenas um não-gato, mas um não-gato-palavra que se ergue sobre o nada, uma realidade linguística determinada e objetiva. Essa é uma dificuldade e uma mentira, mas a missão do texto literário não pode se cumprir aí: apenas transpor a realidade do gato para a da palavra é pouco. Isso seria uma redução que ignora a impossibilidade de compreensão: a palavra é pouca para o tanto de verdade que contém. O nada luta e trabalha na palavra literária, tornando-se a ampliação infinita do sentido, ou seja, o tudo. O lacre se parte, o excesso de sentido, o deslizamento sem fim se desencadeia.
Não obstante, a literatura vai mais além: é a própria impossibilidade da morte. A figuração da morte como impossibilidade, às vezes mal-compreendida, é uma questão fundamental do pensamento blanchotiano: a escrita literária é algo fora do poder, da possibilidade. A morte confere sentido à existência, torna possíveis as coisas, porque possibilita o fim, prerrogativa do reino humano. Fim é objetivo, é busca dentro do finito, do que pode morrer. Ao proclamar a impossibilidade da morte na literatura, Blanchot quer enfatizar o caráter inumano do texto literário, por mais que se considerem as semelhanças que a literatura estabelece em relação ao mundo dos humanos, ou por causa mesmo desse dominó de semelhanças em sua relação especular infinita: a semelhança da semelhança da semelhança... até assemelhar-se a nada. Eis o neutro, o désœuvrement, o que não pode agir verdadeiramente no mundo real.
O escritor possui o infinito: o que parece abundância é sua grande carência. Carência de limites, de crenças, de regras. Assim, ele é condenado a escrever na falta, na negação, na incerteza, a proferir um discurso que nada diz, que recua diante da existência. Ao final do romance Nove noites, de Bernardo Carvalho, quando o pseudo-escritor decide transformar sua pesquisa num romance, ele declara: “Porque agora eu já estava disposto a fazer dela realmente uma ficção. Era o que me restava, à falta de outra coisa” (CARVALHO, 2002, p. 157) . A expressão “à falta de outra coisa” é exemplar do que fala Blanchot em relação ao texto ficcional. Uma coisa é o infinito que não comporta compreensão, lógica, explicação; outra coisa é o mundo ordenado, explicado, com causas e consequências determinadas. Exatamente a falta constatada. Após mergulhar em uma pesquisa profusa, intensa, diversificada, as construções linguísticas foram-se acumulando, superpondo-se, inchando, dispersando, até que o finito escapou ao investigador, e quando falta o fim, só se pode fazer literatura. Era o que lhe restava.
Uma das figurações mais curiosas do romance de Carvalho emerge na cena final, quando o personagem-enunciador toma o avião de volta de Nova York, vencido pela impossibilidade de escrever uma história que tivesse sentido, que ensejasse a compreensão. Ele evoca então uma imagem que lhe ficara:

Nessa hora, me lembrei sem mais nem menos de ter visto uma vez, num desses programas de televisão sobre as antigas civilizações, que os Nazca do deserto do Peru cortavam as línguas dos mortos e as amarravam num saquinho para que nunca mais atormentassem os vivos. Virei para o outro lado e, contrariando a minha natureza, tentei dormir, nem que fosse só para calar os mortos. (pp. 167-168)

Atreladas a essa figuração, que aparece na última página do relato, há mais dois recortes importantes. Um deles é a declaração do enunciador Manoel Perna, cuja voz emerge do passado, na primeira parte da narrativa: “Era preciso que ninguém achasse um sentido. É preciso não deixar os mortos tomarem conta dos que ficaram” (p. 10). Para não deixar os mortos falarem, é necessário que a escritura não pare de falar. Na narrativa árabe, falava-se para não morrer, para afastar o pavor do desenlace, da conclusão; aqui, a morte da escrita também é rejeitada na fabulação romanesca. Se a morte definir a verdade, se a origem for restaurada, encerra-se a ficção. O outro é o temor do narrador que se diz jornalista de que sua ficção seja arruinada pela realidade:
O meu maior pesadelo era imaginar os sobrinhos de Quain aparecendo da noite para o dia, gente que sempre esteve debaixo dos meus olhos sem que eu nunca a tivesse visto, para me entregar de bandeja a solução de toda a história, o motivo real do suicídio, o óbvio que faria do meu livro um artifício risível. (p. 157)

A primeira imagem, a dos mortos de língua cortada, pressupõe o afastamento do discurso que poderia organizar o passado, dar um sentido à ação e apontar para uma conclusão. Para que a literatura fale, portanto, é necessário que os mortos sejam impedidos de declarar sua verdade, a verdade de quem presenciou os fatos, de quem estava lá. A fala do jornalista é antecipada por Manoel Perna, que logo no início relaciona o sentido das coisas à dominação dos mortos. Afinal, a própria existência do romance é colocada em risco pelo possível aparecimento da verdade que organizaria o texto e alinhavaria seu começo, seu meio, seu fim. A literatura existe para nada dizer, o escritor não fala para dizer algo, a ficção fala para não dizer nada, seu sentido não está na busca do que existe, mas em seu recuo diante da existência.
Tudo depõe em favor da incerteza, mas o leitor confia na seriedade do enunciador. Talvez pelo fato de que o autor cujo nome a capa do livro ostenta seja um jornalista, aquele que deve buscar o discurso da verdade, ou quiçá pelo fato de que o tempo todo o texto sinaliza com uma possibilidade encoberta de que tudo tenha um sentido, o leitor sempre espera o desfecho, o deslinde. Talvez a provocação produzida pelas marcas de incerteza que pontuam todo o relato aguce mais ainda a crença de que uma solução seja possível.
Essas marcas, entretanto, revelam uma atitude de franqueza de quem escreve, a evocar a todo momento a decisão sempre diferida, até o descortinar da última página, que sacramenta a indecidibilidade. Frustra-se o leitor, fracassa a história? É possível, mas salva-se a literatura, a exibir o vazio do que não existe, a desvelar a ficção, que se veste como se fosse uma espécie de ser, que recebe um nome, narra uma história e uma semelhança com o mundo real. E ergue-se de seus próprios restos, edifica-se de suas próprias ruínas.
O assunto do romance e seus desdobramentos possibilitaria a construção de uma narrativa que se levantasse de forma digna e inequívoca a respeito de questões etnológicas polêmicas, como a alteridade, o respeito às diferenças, a noção de superioridade e inferioridade entre os seres humanos. Isso faria do autor um homem honesto, aquele que escreve as verdades que sua civilização precisa ouvir. Carvalho poderia ter exibido toda sua probidade, mas preferiu embaralhar as verdades que obteve, ou consentiu sua embaralhação, optando por não lhes dar um fim. O autor não permitiu que sua honesta consciência se transformasse em sua honesta mediocridade, que certamente agradaria em cheio a um grande número de leitores. Segundo Blanchot, “l’œuvre de fiction n’a rien à voir avec l’honêteté: elle triche et n’existe qu’en trichant” (BLANCHOT, 2003, p. 189). O romance mora na mentira: se ela o salva, deita a perder a tese, e vice-versa.
Não obstante, não se pode dizer que o romance não tenha agradado a uma parcela do público leitor, e à crítica em geral, excetuando uma certa crítica moralizante que reivindica uma postura enérgica do escritor diante das verdades, uma postura sartreana, talvez. Pode-se dizer que o texto de Bernardo Carvalho tornou-se um romance cult.
No último ensaio dos Seis passeios pelos bosques da ficção, Umberto Eco (2004, p. 233) diz que um dos motivos pelos quais Casablanca tornou-se um cult movie é a “desconexão” da obra, a fabulação sem relações aparentes de causa e efeito. Esse “desconjuntamento” se acentua pelo fato de que durante a filmagem os atores não sabiam para onde se dirigia a encenação, desconheciam seu desfecho, o que teria tornado, por exemplo, a atuação de Ingrid Bergman “encantadoramente misteriosa”.
Algo semelhante parece ocorrer com Nove noites, cuja escrita provoca no leitor uma sensação de que tudo se perderá e ao mesmo tempo lhe acena com uma esperança de que as coisas se resolvam. Talvez seja essa a maior virtude do romance, sua trapaça essencial: há uma tensão localizada na linguagem que, ao mesmo tempo em que sinaliza debilmente para uma resolução, por meio da busca incessante do enunciador vivo e da expectativa criada pelo narrador morto, encaminha-se irresolutamente para a dispersão.
Afinal, a obra nega a substância do objeto que representa, e assim faz-se literatura, em meio a incertezas e recuos. O romance inicia com o depoimento de Manoel Perna, que se dirige a alguém a quem se destina um escrito que ninguém nunca leu: uma das últimas cartas redigidas por Buell Quain, de posse do engenheiro, que ele nunca teve coragem de remeter. Enviara apenas um bilhete cifrado ao receptor, procurando dar a entender que possuía a chave do enigma, e que ela só seria entregue ao verdadeiro destinatário.
A primeira frase do romance encerra uma ambiguidade de conteúdo e de receptor: "Vai entrar numa terra em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui. Pergunte aos índios" (p. 7). A lógica da narrativa autoriza esperar que o interlocutor seja esse ser misterioso a quem se destinava uma missiva, que conteria a solução do suicídio — ou crime —, embora a mensagem do missivista instaure a não-resolução. Além disso, não é demais considerar a própria ficção uma terra que embaralha os limites de verdade e mentira. Perguntar aos índios equivale a ter uma confirmação da instabilidade dos sentidos, equivale ainda a deparar com “a incerteza mais absoluta”. Para isso ele lega ao “você” seu testamento, assim como o escritor deixa ao leitor a escritura romanesca:
Mas não me peça o que nunca me deram, o preto no branco, a hora certa. Terá que contar apenas com o imponderável e a precariedade do que agora lhe conto, assim como tive de contar com o relato dos índios e a incerteza das traduções do professor Pessoa. As histórias dependem antes de tudo da confiança de quem as ouve, e da capacidade de interpretá-las. (p. 8)

A escritura é o imponderável, a precariedade dos relatos incertos e das traduções traidoras. Paradoxalmente, imponderabilidade, precariedade, incerteza e traição exigem a confiança do recebedor — em si mesmo? no discurso que ouve? no enunciador do discurso? no código utilizado? A ausência do complemento nominal adensa a indeterminação. Se tudo o que cerca o discurso inspira desconfiança, onde se situaria essa confiança necessária à interpretação dos fatos? O que parece à primeira vista o mais provável depositário da confiança — o ouvinte interessado, o que se diz jornalista — revela-se o menos confiante, o menos capaz de montar os fragmentos contraditórios e incertos.
O outro, o engenheiro, é um ouvinte hesitante, que ouve principalmente as histórias de Buell Quain, invariavelmente embriagado de álcool, durante as noites em que se encontraram. “O que agora lhe conto é a combinação do que ele me contou e da minha imaginação ao longo de nove noites” (CARVALHO, 2002, p. 47), disse Manoel Perna, mantendo a narrativa na escuridão das nove noites, negando-lhe a possibilidade de vir à luz. Ele mantém em seu poder o texto que ninguém nunca leu, uma carta em inglês escrita pelo etnólogo morto, destinada possivelmente ao fotógrafo amigo de Quain, de conteúdo desconhecido até dele mesmo, que não consegue ler e não tem coragem de pedir a ninguém que o faça.
De tanto buscar, o que se diz jornalista é o ouvidor por excelência, o narrador da contemporaneidade. É longa a lista dos que ele ouve. Inicialmente, ele lê o artigo que menciona o nome de Buell Quain, cujas cartas e depoimentos ele vasculhou cuidadosamente. Ele ouve ainda a antropologa que escreveu o artigo em que menciona a morte de Quain; a filha da antropologa Maria Júlia, que havia flertado com Quain; uma moça que lia livros para os velhos no asilo; o professor Luiz de Castro Faria, que integrou a expedição de Lévi Strauss, e que conhecera BQ; o próprio Lévi Strauss, em entrevista em Paris; o rapaz que lia histórias para o velho fotógrafo na enfermaria do hospital; os filhos de Manoel Perna, Francisco e Raimunda; o filho do fotógrafo nos Estados Unidos; e, sobretudo, ouviu sua própria memória, da infância à idade adulta recente, aparentemente tentando atar as pontas das histórias, ou simulando a tentativa. Ele ouve também textos literários que não o auxiliam muito em sua tarefa: Drummond, Francis Ponge, Herman Melville, Joseph Conrad. Não há pontas nem retalhos a serem atados, o texto caminha para a errância. Outra audição importante: ele ouviu o som de um nome que desencadeou a demanda.
Uma questão permanece indeterminada: teria ele ouvido Manoel Perna? Ele afirma ter lido a carta que Quain escreve a Manoel Perna, a carta que Perna escreve a Heloísa Alberto Torres, diretora do Museu Nacional. Mas a pergunta que não tem resposta é: teria o relator que se diz jornalista, o investigador do futuro, lido o depoimento de Manoel Perna que faz contraponto com o dele próprio nas páginas do livro? Considerando que a diferença de tempo entre as duas escritas é de pelo menos meio século, o leitor tem a tendência de considerar o depoimento de Perna como uma espécie de relato auxiliar, que de alguma forma teria chegado ao narrador jornalista para deitar luz à sua investigação. Entretanto, esse relato noturno, que inclusive dá nome ao livro, não vem à luz, nem como possibilidade de desvendamento do caso, nem como texto de suporte ao jornalista: os filhos de Manoel Perna “garantiram que ele não deixou nenhum papel ou testamento, nenhuma palavra sobre Buell Quain” (p. 134). Numa inversão surpreendente da situação da carta a cujo conteúdo ninguém teve acesso, o que é algo mais plausível, temos agora todo um texto que contraponteia com outro no romance e que jamais foi escrito; sua inexistência é inclusive assumida pelo narrador-jornalista. Nesse momento, o leitor descobre atônito que, mesmo que Manoel Perna venha a desvelar de alguma forma em sua carta-testamento o segredo da carta não-lida, ou qualquer informe esclarecedor, tal depoimento não valerá de nada, o que provoca um duro golpe em suas esperanças; ele, que, apenas ele, tem acesso às palavras de Manoel Perna.
Conclui-se então que boa parte da narrativa, a que tem como enunciador o engenheiro de Carolina, é desautorizada pela própria ficção. A incerteza, entretanto, não se restringe às fantasias discursivas do ex-amigo de Quain. O próprio jornalista inicia seu discurso com a seguinte fórmula (e a repete pelo menos mais quatro vezes durante o seu relato): “Ninguém nunca me perguntou. E por isso também nunca precisei responder” (páginas 13, 27, 60, 134, 136). As frases expressam a indiferença de quem fala: não há perguntas, não há necessidade de respostas. Negligência típica de quem faz literatura, essa declaração contrasta com o esforço do investigador que busca a verdade, que tenta unir as peças que montarão seu quebra-cabeça, que se lança a aventuras que não desejava viver, seja no meio dos índios Krahô, seja nos Estados Unidos, para compor uma verdade, que acaba tornando-se ficção.
O que impulsiona a escrita num primeiro momento é a dúvida, a curiosidade em relação a uma história que se revelará extraordinária. O enunciador diz que a antropologa supôs que ele ia escrever um romance, e ele não a contrariou, o que sugere que ele não tinha muita certeza sobre o gênero textual que estaria compondo. É uma escrita que “independe” de quem a escreve; há papéis, contatos, a montagem de um quebra-cabeças e a criação de uma imagem. Que imagem é essa que a montagem do quebra-cabeças cria? Fiel? Inventada? Mistura de ambas as coisas? A julgar pela maneira dúbia e hesitante como essa imagem escrita se constrói, pode-se dizer que é mais criação do que reconstituição: é uma “combinação de acasos e esforços” que têm como ponto de partida um nome dito em voz alta, pronunciado na voz do enunciador, mas certamente ou um sonho ou um entendimento ou uma certeza de já tê-lo ouvido antes.
A palavra pronunciada nomeia o objeto da investigação, e se apresenta como um signo instável, a começar pela mobilidade do significante: Buel Quain, Bill Cohen, Quain Buele, Cãmtwyon, Cowan...
O narrador coleta uma enxurrada de informações sobre o antropólogo morto, com definições precisas, mas a todo momento, sobrevém o incerto: a mãe era uma mulher aflita, as cartas a Heloísa Alberto Torres denunciam uma “estranha ansiedade” e um suposto temor de que alguém a conhecesse e a descobrisse; Quain teria tido uma doença misteriosa; há várias cartas que não foram localizadas pelo que se diz jornalista, os colegas de Columbia especulam se teria sido assassinato ou suicídio. Nada disso é esclarecido no romance. O jornalista transcreve trechos de uma carta de Manoel Perna a Heloísa Alberto Torres que falam em “fontes que reputamos certas” para atribuir o suicídio do etnólogo a razões familiares. E, na carta, Perna dá a entender que as fontes certas são os depoimentos dos índios que conviveram com Quain, o que contradiz o próprio testamento-fantasma do engenheiro, em que ele afirma que a memória naquele lugar não pode ser exumada, que ali não existia verdade, ou que as verdades eram múltiplas, portanto instáveis.
No quinto texto do romance, o que se diz jornalista apresenta uma foto em que todas as pessoas, quase todos mortos, tiveram alguma relação com Buell Quain, e levaram suas verdades para o túmulo, contribuindo para as indefinições acerca do homem e de sua história. A memória de um dos poucos vivos que conheceram o etnólogo americano, o professor Luiz de Castro Faria, contribui pouco para a pesquisa, sujeita a “distorções das impressões subjetivas, como a de qualquer um” (p. 32). Isso inclui, evidentemente, o próprio jornalista, o Manoel Perna, os índios e todos aqueles — cientistas ou não — que discursam nessa escrita. Tudo o que se diz no romance, portanto, está sujeito às distorções da memória.
A memória distorcida do que se diz jornalista também é convocada, e ele relata sua experiência de criança entre os índios, em companhia de um pai devasso e aventureiro. Há uma casa verde-vômito, metáfora do inferno verde, uma estrada que não leva a lugar nenhum, como a buscar uma saída, um caminho para onde não se sabe, como essa escrita que nunca sabe aonde vai dar, e parece não ter saída, como a própria existência dos índios. A pior condição é a única possível, só se realiza no risco, longe do conforto da civilização, empurrado para os confins do possível escritural.
Um momento exemplar da indeterminação dos sentidos da palavras e, por extensão, da ausência de sentido sistematizado da narrativa é o esforço do que se diz jornalista de descobrir por que os Krahô chamavam o etnólogo norte-americano de “Cãmtwyon”. Um casal de índios mais bem informados

disseram que "twyon" queria dizer lesma, o caracol e seu rastro. O antropólogo já havia me dito que "cãm" era o presente, o aqui e o agora, mas ninguém conseguia saber o sentido da combinação daquelas duas palavras. O antropólogo me explicou que, ao contrário do que costumam pensar os brancos, os nomes dos índios nem sempre querem dizer alguma coisa e sobretudo nada têm a ver com a personalidade da pessoa nomeada. (p. 80).

O narrador completa dizendo que os nomes “Fazem parte de um repertório e são atribuídos ao acaso”. Como na literatura, o significante não tem que conduzir necessariamente a um significado lógico. O escritor, entretanto, como jornalista civilizado, não se pode deixar conduzir pelo acaso, e decide atribuir ao nome um significado que ele elegeu, para que se produza uma lógica, um sentido. "Cãmtwyon" tornou-se para ele, numa interpretação paradoxalmente “selvagem e um tanto moral”, a casa do caracol e portanto “seu fardo no mundo”, e ao mesmo tempo seu abrigo, do qual só se pode livrar com a morte.
A entrevista que o investigador teve com o velho Diniz, índio krahô que conhecera Quain, não ajudou mais do que as outras peças da pesquisa. Segundo ele, havia várias distorções entre a versão do velho índio e a versão oficial (que não se sabe exatamente qual é). Na aldeia krahô, a confusão entre relato jornalístico e ficção se acentua. Para se justificar perante os índios, ele insistia que estava escrevendo um romance, por isso queria saber sobre a vida do antropólogo morto. Diante da preocupação dos índios, principalmente os mais velhos, de que o passado fosse remexido daquela forma, ele tentava convencê-los — e a si mesmo — de que “seria tudo historinha, sem nenhuma consequência na realidade” (p. 95). O índio Leusipo, principal questionador do visitante, não entendia e não queria entender o que significa ficção, romance, historinha. Num símile infeliz, o romancista chegou a comparar a ficção dos brancos aos mitos dos índios, mas nada disso explicava a necessidade de revolver o passado.
Afinal, que demanda é essa, para que serve essa viagem ao meio dos Krahô? O narrador viaja a um lugar que ele detesta, que representava para ele, desde a infância, um inferno, só para escrever um romance? Buscar material para uma ficção justifica buscar o sofrimento? Ou ele queria saber como Buell Quain havia sofrido entre os Krahô, e conhecer esse sofrimento é fundamental para escrever um romance? As causas são frágeis, pouco consistentes...
Ao final, a ficção se assume definitivamente. O que se diz jornalista faz um breve resumo da vida de Manoel perna, e enfatiza a declaração de seus filhos de que o pai não havia deixado nada escrito sobre o amigo Buell Quain. Em seguida, conta uma relativamente longa história da vida e da morte de seu pai, para estabelecer uma coincidência interessante que poderia ainda ser uma pista para descobrir algo sobre o etnólogo: na mesma enfermaria em que seu pai agonizava, havia um norte-americano de oitenta anos que morria de câncer. Esse norte-americano, que dizia esperar alguém, era o fotógrafo que havia sido amigo de Buell Quain na juventude, e a pessoa esperada supõe-se que teria sido o próprio Quain. Em sua imaginação, o velho viu na pessoa do que se diz jornalista quem ele estava esperando. E o chamou de “Bill”: "Quem diria? Bill Cohen! Até que enfim! Rapaz, você não sabe há quanto tempo estou esperando" (p. 146). Em seguida, morreu. Muitos anos depois, ao ler um artigo de jornal que falava em Buell Quain, ele associou o nome às palavras do velho que morrera diante de si numa cama de hospital. Ele então segue a pista do velho norte-americano e consegue achar um filho seu nos Estados Unidos.
Nesse momento, o que se diz jornalista ainda mantinha a esperança de saber fatos, verdades, informações sobre o antropólogo suicida:

Tudo o que eu precisava era do teor de uma suposta oitava carta, além das que o etnólogo enviara ao pai, a um missionário e ao cunhado antes de morrer (por que não teria escrito antes à irmã? Ou teria escrito uma oitava carta à irmã?), e de um eventual diário que, segundo a mãe, ele sempre mantinha. (pp. 153-154)

Ele então tenta buscar na Internet, em vão. Quando entabolava entendimentos para contratar uma produtora de TV de uma grande rede norte-americana, uma pessoa que tinha fama de “desenterrar o que ninguém mais conseguia descobrir” (p. 155), houve os ataques aéreos às torres do World Trade Center em Nova York, e o contato se desfez. Em seguida escreve mais de cento e cinquenta cartas “para todos os Kaiser e Quain que encontrei na lista telefônica de Chicago, de Portland e arredores, no Oregon, e de Seattle” (p. 155). Tudo em vão. Além do mais, era a época em que os correios norte-americanos estavam inundados de cartas com bactérias assassinas. Tornava-se cada vez mais difícil a “um estranho e duvidoso jornalista da América do Sul” (p. 155) aproximar-se de norte-americanos normais por vias normais. A última cartada seria então o filho do fotógrafo, cujo endereço ele possuía. O contato por correspondência foi cordial, mas o norte-americano recusava-se a recebê-lo.
Eis o momento em que o jornalista parece admitir a ficção como incontornável:

Àquela altura dos acontecimentos, depois de meses lidando com papéis de arquivos, livros e anotações de gente que não existia, eu precisava ver um rosto, nem que fosse como antídoto à obsessão sem fundo e sem fim que me impedia de começar a escrever o meu suposto romance (o que eu havia dito a muita gente), que me deixava paralisado, com o medo de que a realidade seria sempre muito mais terrível e surpreendente do que eu podia imaginar e que só se revelaria quando já fosse tarde, com a pesquisa terminada e o livro publicado. Porque agora eu já estava disposto a fazer dela realmente uma ficção. Era o que me restava, à falta de outra coisa. (p. 157)

Estranha declaração essa. Há uma “obsessão sem fundo”, uma “curiosidade mórbida” que impede o jornalista de se libertar da realidade e assumir sua ficção. E o mais estranho é que a obsessão doentia é provocada pelas verdades dos papéis deixados por pessoas então inexistentes, o que deixava o candidato a escritor num “estado difuso”, num “poço de suposições não comprovadas” (p. 158). O “suposto romance” ainda não havia começado a ser escrito, porque todos os escritos que gravitavam em torno dele estavam por demais colados ao real, mas um real de papel. Outro fato estranho é que o antídoto para a doença que impedia a escrita seria, no entender dele, o escancaramento da realidade com a visão de um rosto, e o rosto eleito tinha sido o de Schlomo Parsons, filho do fotógrafo. Esse desvelamento da realidade seria a segurança de que a própria realidade não compareceria para explicar o inexplicável, e o jornalista toma o avião em busca do rosto:

Tomei o avião para Nova York com pelo menos uma certeza: a de que, não encontrando mais nada, poderia por fim começar a escrever o romance. No estado de curiosidade mórbida em que eu tinha me enfiado, acreditava que a figura do filho do fotógrafo podia por fim me desencantar. (p. 158)

Ele precisava, então, da certeza de que seu escrito permaneceria na incerteza, isto é, permaneceria ficção, sem as verdades que só viriam estragar a escritura. A falta e a negação precisam ter sua condição assegurada para que o livro se faça, o recuo diante da existência não pode ser ameaçado pela existência.
O escritor, então, marca data para o começo do romance: “A ficção começou no dia em que botei o pé nos Estados Unidos” (p. 158). Daí em diante, nada mais pode ser considerado verdade: “Eu podia dizer o que quisesse, podia não fazer o menor sentido, só não podia dizer a verdade. Só a verdade poria tudo a perder.” (p. 161)
Schlomo Parsons contou sua história, mostrou fotos, mostrou o rosto, que em determinado momento, numa “espécie de alucinação”, o jornalista achou parecido com Buell Quain. “Aos poucos, a história começava a se descortinar à minha frente” (pp 161-162). Pode-se supor que a palavra história aqui se refira à ficção, à escrita literária, que finalmente parecia ter-se libertado da realidade, que não apareceria mais para incomodar. As línguas dos mortos pareciam então definitivamente cortadas e amarradas em saquinhos invioláveis para que a literatura pudesse aparecer em toda sua exuberância, sua inutilidade.
O jornalista perde sua reportagem, o escritor ganha um romance.
Guardadas as línguas da realidade, fecha-se o romance que havia acabado de começar. Após o texto, o escritor cujo nome está na capa ainda se dá ao trabalho de fazer uma ressalva desnecessária, explicando o óbvio, talvez por insistência dos advogados das editoras, sempre preocupados com o grau de interferência que a ficção pode produzir no real: “Este é um livro de ficção, embora esteja baseado em fatos, experiências e pessoas reais. É uma combinação de memória e imaginação — como todo romance, em maior ou menor grau, de forma mais ou menos direta” (p. 169).
A cautela jurídica se reafirma ao final da seção “Agradecimentos”. Após citar uma série de pessoas da vida real que de alguma forma ajudaram o escritor a levantar dados para seu livro, novamente comparece a obviedade: “Nenhuma dessas pessoas tem responsabilidade pelo conteúdo ou pelo resultado final da obra” (p. 179).
Certamente, ninguém tem responsabilidade pelo resultado final, simplesmente porque não há um resultado, não há nada que se permita compreender pelo poder civilizatório da morte. Se a morte é a possibilidade de sentido, cortar as línguas dos mortos é colocá-los no reino do silêncio, no domínio da impossibilidade, onde a conclusão é a ausência de qualquer conclusão.



Abstract
The novel Nove noites, by Bernardo Carvalho, interlaces death and writing in an intriguing narrative, evidencing the tenuous limits between reality and fiction. The journalist that narrates the story looks for the actual facts obstinately, but from a certain moment on, he realizes that reality menaces fiction, despite the reader's expectations that truth be revealed. The writing, however, goes on uncertain, unsettled, driven by non-reliable narrators, hesitant among truth and lie, real and fiction, ending in the question of death as impossibility of saying and also of silencing.

Key words: fiction and reality, writing and death, impossibility of saying and silencing


Referências

BLANCHOT, Maurice. La part du feu. Paris: Gallimard, 2003.
CARVALHO, Bernardo. Nove noites. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
MALLARMÉ, Stéphane. Igitur, divagations, un coup de dées. Paris: Gallimard, 2003.
SARTRE, Jean-Paul. O que é a literatura? São Paulo: Ática, 2004.

25 comments:

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    An Example of How to record full screen:
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    2. Click on the black down-arrow beside record button to access the dropdown list of Input options, Click on the full screen option to check it.
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    8. To cancel the recording, use hotkey to cancel recording. By default, this key is F9. if application run as system tray, right click on the Capturelib Screen Recorder icon and select cancel menu;
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