Friday, March 02, 2007

MUITOS TEXTOS POÉTICOS DE 1945 A 2007

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
DEPARTAMENTO DE LITERATURA
LITERATURA BRASILEIRA IV
Cid Ottoni Bylaardt

MUITOS TEXTOS POÉTICOS DE 1945 A 2007

MÁRIO QUINTANA

Fragmentos do Caderno H


A IMAGEM E OS ESPELHOS (p. 58)
Jamais deves buscar a coisa em si, a qual depende tão-somente dos espelhos.
A coisa em si, nunca. A coisa em ti.
Um pintor, por exemplo, não pinta uma árvore. Ele pinta-se uma árvore.
E um grande poeta — espécie de Rei Midas à sua maneira — um grande poeta, bem que ele poderia dizer:
— Tudo o que eu toco se transforma em mim.

ENTOMOLOGIA (p. 177)
A borboleta mais difícil de caçar é o adjetivo.

TRÁGICO DILEMA (p. 39)
Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, um dos dois é burro.

NÃO DESPERTEMOS O LEITOR (p. 52)
Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo. Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas. (...) Pois não é mesmo tão bom falar e pensar sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade...

CARTAZ PARA UMA FEIRA DO LIVRO (p. 5)
Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem.

A BORBOLETA (p. 19)
Cada vez que o poeta cria uma borboleta, o leitor exclama: “Olha uma borboleta!” O crítico ajusta os nasóculos e, ante aquele pedaço esvoaçante de vida, murmura: — Ah! sim, um lepidóptero...”

SINÔNIMOS? (p. 103)
Esses que pensam que existem sinônimos, desconfio que não sabem distinguir as diferentes nuanças de uma cor.

PARÁBOLA? (p. 9)
Os espelhos partidos têm muito mais luas.

A FACE E O ESPELHO (p. 77)
Assim devia ser a relação de autor para leitor: uma face nua num espelho límpido. Mas é tão difícil... Ou a face está mascarada ou o espelho embaciado.



JOÃO CABRAL DE MELO NETO

CATAR FEIJÃO

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e o oco; palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.

(in A educação pela pedra)


LEMBRANDO MANOLETE

Tourear, ou viver como expor-se;
expor a vida à louca foice

que se faz roçar pela faixa
estreita de vida, ofertada

ao touro; essa estreita cintura
que é onde o matador a sua

expõe ao touro, reduzindo
todo seu corpo ao que é seu cinto,

e nesse cinto toda a vida
que expõe ao touro, oferecida

para que a rompa; com o frio
ar de quem não está sobre um fio.


HENRIQUETA LISBOA

ESTA É A GRAÇA

Esta é a graça dos pássaros:
cantam enquanto esperam.
E nem ao menos sabem o que esperam.

Será porventura a morte, o amor?
Talvez a noite com uma nova estrela,
a pátina de ouro do tempo,
alguma cousa de precário
assim como para o soldado a paz?

Com grave mistério de reposteiros
um augúrio dimana, incessante,
do marulho das fontes sob pedras,
do bulício das samambaias no horto.

No ladrido dos cães à vista da lua,
acima do desejo e da fome,
pervaga um longo desespero
em busca de tangente inefável.

O mesmo silêncio da madrugada
prenuncia, sem dúvida, um evento
que já não é o grito da aurora
ao macular de sangue a túnica.

E minha voz perdura neste concerto
com a vibração e o temor de um violino
pronto a estalar, em holocausto,
as próprias cordas — demasiado tensas


JAULAS

De uma para outra jaula.

Com farrapos ou plumas,
cerceando balbucios ou vascas,
é o berço minúscula
jaula.

A cela, a varanda, a casa,
o jardim, a cidade,
com seus itens e suas parlendas,
são enredos — de vime ou ferro —
de uma próspera
jaula.

O alto céu
disposto em toldo, tombando
sobre os flancos da terra,
é uma vistosa
jaula.
Com seus planetas e suas lunetas
assestadas.

Também é o cérebro: de si próprio
arquiteto e
jaula:
cego além dos relâmpagos.


ACIDENTE

Quebra-se o púcaro de fino
cristal vibrante contra lájea:
restam avelórios feridos.

Do vento escuto o balbucio
por entre os galhos das árvores.
Percebo-lhe o timbre, o ritmo.
Porém não as palavras:
interceptadas, interceptadas.
(Flor da morte)

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


PROCURA DA POESIA

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não
contam.
Não faças poesia com o corpo
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à
efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no
escuro são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equivoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das
casas.
Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto
à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas) elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.

Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espere que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito,
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

1. Metapoema — verdadeiro manifesto de Carlos Drummond de Andrade, publicado no Correio da manhã, de 16-1-1944 e depois, em A Rosa do povo, em 1945.

JARDIM

Negro jardim onde violas soam
e o mal da vida em ecos se dispersa:
à toa uma canção envolve os ramos,
como a estátua indecisa se reflete

no lago há longos anos habitado
por peixes, não, matéria putrescível,
mas por pálidas contas de colares
que alguém vai desatando, olhos vazados

e mãos oferecidas e mecânicas,
de um vegetal segredo enfeitiçadas,
enquanto outras visões se delineiam

e logo se enovelam mascarada,
que sei de sua essência (ou não a tem),
jardim apenas, pétalas, presságio.
(Novos poemas)


DISSOLUÇÃO

Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.
Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite.

E com ela aceito que brote
uma ordem outra de seres
e coisas não figuradas.
Braços cruzados.

Vazio de quanto amávamos,
mais vasto é o céu. Povoações
surgem do vácuo.
Habito alguma?

E nem destaco minha pele
da confluente escuridão.
Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando.

E aquele agressivo espírito
que o dia carreia consigo
já não oprime.
Assim, a paz, destroçada.

Vai durar mil anos, ou
extinguir-se na cor do galo?
Esta rosa é definitiva,
ainda que pobre.

Imaginação, falsa demente,
já te desprezo. E tu, palavra.
No mundo, perene trânsito,
calamo-nos.
E sem alma, corpo, és suave.
(Claro enigma)


REMISSÃO

Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tu chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê? perguntaria,
se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, e suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo de teu ser?

(Claro enigma)

OFICINA IRRITADA

Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,
Cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
Claro enigma, se deixa surpreender.
(Claro enigma)

MEMÓRIA

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
(Claro enigma)


ENTRE O SER E AS COISAS

Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.

As almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.

N’água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

E nem os elementos encantados
sabem do amor que os punge e que é, pungindo,
uma fogueira a arder no dia findo.


ANÍBAL MACHADO

Fragmentos de Cadernos de João

O melhor momento da flecha não é o de sua inserção no alvo, mas o da trajetória entre o arco e a chegada ¾ passeio fremente.

Não te embales muito na miragem do longe e do depois, a fim de não perderes o que arde invisível no perto e sopra em silêncio no agora.

Dentro mesmo da opacidade do irracional, colocar a mina que vai explodir e alargar a área a ser iluminada.

Ninguém pode abrir sozinho o seu túnel pessoal para a claridade do dia, sem o risco de morrer sob os entulhos.

Fonte fechada ou diamante encoberto ¾ a certeza de que os guardamos em nós mal consola da demora de fazê-los um dia correr e reluzir para todos.

TOPOGRAFIA DA INSÔNIA

Mudar de lado, mudar de lençol, de idéias, de mulher, mudar de quarto, de cidade, mudar de profissão, correr para longe, afastar-me do foco... fugir... dormir.

Meu maior receio é ficar acordado até o fim do mundo: ¾ tenho quase certeza!

Não se pode dormir em mim com esta barulheira.

Passeatas, reclamações, discussões sem resultado ¾ tudo na parte da frente da cabeça, onde se estão juntando os ossos do mundo.

Vou mudar-me para os pés: de lá será mais fácil fugir.

A questão é que não acaba nunca de desenrolar-se essa película interminável, com o negativo de todas as imagens do dia...

Há raios solares captados. Por que não haverá uma essência de Noite para se pingar nos olhos?
(MACHADO, p. 123)

Abandonei a cabeça. Foi o único jeito: arranjei outro eixo em torno do qual vou organizando como posso um novo eu, próprio para receber o sono.
(MACHADO, p. 123)

A insônia não é propriamente a impossibilidade dormir. A insônia é uma entidade viva, megera impostora, filha perversa da ausência do sono.
(MACHADO, p. 123)

A B C DAS CATÁSTROFES

Qualquer que seja a arquitetura dum edifício, seus escombros obedecerão ao estilo barroco.

No extremo da velocidade, o homem que se arrebenta com o seu veículo contra a parede morre certo de que atravessou um corpo transparente.

Depois do incêndio, as vítimas vêm, vestidas de branco, visitar os escombros.

Um pedaço de perna salvo de uma catástrofe não pertence a ninguém: é um pedaço de perna.

No estado de ruína os velhos prédios se convertem à religião...

A primeira e ultra-rápida sensação que se experimenta bem no começo de um desastre é de injúria inopinada, de agressão injusta.

A terra é uma explosão em prosseguimento.


Enquanto a natureza diminui suas catástrofes, o homem multiplica seus desastres.

No desastre instantâneo há uma fulguração que não é do sol nem de nenhuma luz exterior.


JOSÉ PAULO PAES
Prosas seguidas de Odes mínimas

AO ESPELHO

O que mais me aproveita
em nosso tão freqüente
comércio é a tua
pedagogia de avessos.

Fazem-se em nós defeitos
as virtudes que ensinas:
o brilho de superfície
a profundidade mentirosa
o existir apenas
no reflexo alheio.

Entretanto, sem ti
sequer nos saberíamos
o outro de um outro
outro por sua vez
de algum outro, em infinito
corredor de espelhos.

Isso até o último
vazio de toda imagem
espelho de um si mesmo
anterior, posterior
a tudo, isto é, a nada.


AOS ÓCULOS

Só fingem que põem
o mundo ao alcance
dos meus olhos míiopes.

Na verdade me exilam
dele com filtrar-lhe
a menor imagem.

Já não vejo as coisas
como são: vejo-as como els querem
qie as veja.

Logo, são eles que vêem,
nmão eu que, mesmo cônscio
do logro, lhes sou grato

por qnteciparem em mim
o Édipo curioso
de suas próprias trevas.


À TINTA DE ESCREVER

Ao teu azul fidalgo mortifica
registrar a notícia, escrever
o bilhete, assinar a promissória
esses filhos do momento. Sonhas

mais duradouro o pergaminho
onde pudesses, arte longa em vida breve
inscrever, vitríolo o epigrama, lágrima
a elegia, bronze a epopéia.

Mas já que o duradouro de hoje nem
espera a tinta do jornal secar,
firma, azul, a tua promissória
ao minuto e adeus que agora é tudo História.

PAULO LEMINSKI

AVISO AOS NÁUFRAGOS

Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho
muito depois de caída.

Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.

Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não é assim que é a vida?
(Distraídos venceremos)

TEXTOS TEXTOS TEXTOS

malditas placas fenícias
cobertas de riscos rabiscos
como me deixaste os olhos piscos
a mente torta de malícias
ciscos
(La vie en close)

PLENA PAUSA

Lugar onde se faz
o que já foi feito
branco da página,
soma de todos os textos
foi-se o tempo
quando, escrevendo,
era preciso
uma folha isenta.
Nenhuma página
jamais foi limpa.
Mesmo a mais Saara,
ártica, significa.
Nunca houve isso,
uma página em branco.
No fundo, todas gritam,
pálidas de tanto.
(Distraídos venceremos)

MANUEL DE BARROS

O livro das ignorãças

1a. parte
UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO

As coisas que não existem são mais bonitas
FELISDÔNIO

I
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para
morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas
têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num
fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre dois
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
etc
etc
etc
Desaprender oito horas por dia ensina os princípios.

II

Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao
pente funções de não pentear. Até que ele fique à
disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma

III

Repetir repetir ¾ até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.

IV

No Tratado das grandezas do ínfimo estava escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras.

V

Formigas carregadeiras entram em casa de bunda.

VI

As coisas que não têm nome são mais pronunciadas
por crianças.

VII

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
Criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas sim para som.
Então, se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é voz de fazer
nascimentos ¾
o verbo tem que pegar delírio.

VIII

Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh.

IX

Para entrar em estado de árvore é preciso partir de
um torpor animal de lagarto âs três horas da tarde,
no mês de agosto.
Em dois anos a inércia e o mato v~o crescer em
nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato
sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

X

Não tem altura o silêncio das pedras.

XI
Adoecer de nós a Natureza:
¾ Botar aflição nas pedras
(Como fez Rodin).


XII


Pegar no espaço contigüidades verbais é o mesmo
que pegar mosca no hospício para dar banho nelas.
Essa é uma prática sem dor.
É como estar amanhecido a pássaros.

Qualquer defeito vegetal de um pássaro pode
modificar os seus gorjeios.


XIII

As coisas não querem mais ser vistas por pessoas
razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul ¾
Que nem uma criança que você olha de ave.

XIV

Poesia é voar fora da asa.

XV

Aos blocos semânticos dar equilíbrio. Onde o
abstrato entre, amarre com arame. Ao lado de um
primal peixe deixe um termo erudito. Aplique na aridez
intumescências. Encoste um cago ao sublime. E no
solene um pênis sujo.

XVI

Entra um chamejamento de luxúria em mim:
Ela há de se deitar sobre meu corpo em toda a
espessura de sua boca!
Agora estou varado de entremências.
(Sou pervertido pelas castidades? Santificado pelas
imundícias?)

Há certas frases que se iluminam pelo opaco.

XVII
Em casa de caramujo até o sol encarde.


XVIII
As coisas da terra lhe davam gala.
Se batesse um azul no horizonte seu olho entoasse.
Todos lhe ensinavam para inútil
Aves faziam bosta nos seus cabelos.

XIX
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a
imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás
de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o
rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que
fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

XX
Lembro um menino repetindo as tardes naquele
quintal.

XXI
Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais ou
no Viterbo —A fim de consertar a minha ignorãça,
mas só acrescenta.
Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:
— Ser ou não ser, eis a questão.
Ou na porta dos cemitérios:
—.Lembra que és pó e que ao pó tu voltarás.
Ou no verso das folhinhas:
— Conhece-te a ti mesmo.
Ou na boca do povinho:
— Coisa que não acaba no mundo é gente besta
e pau seco.
Etc
Etc
Etc
Maior que o infinito é a encomenda.


ADÉLIA PRADO


EXPLICAÇÃO DE POESIA SEM NINGUÉM PEDIR

Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica, mas atravessa a noite, a madrugada, o dia, atravessou minha vida, virou só sentimento.


COM LICENÇA POÉTICA

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.
Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável.
Eu sou.


ANTES DO NOME

Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o ‘de’, o ‘aliás’,
o ‘o’, o ‘porém’ e o ‘que’, esta incompreensível
muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave,
surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infreqüentíssímos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

HORÁCIO COSTA

NEGRA

já escrevi “tentei tudo”
já te escrevi que já me tinhas vist
o não como um gato mas seu novelo
enrolado em teus babados:
queria perder-me
na periferia do teu corpo
respirando o ar que o que exalas
¾ frio? fumo? perfume? compulsória epifania? —modifica
ou nos faz
— hilário gás lacrimógeno? —crer que modifica

negra mina
aqui me tens de novo:
persegui teu rastro
& consultei horários que levavam
à tua evasiva região
servi compêndios & li filosofias
& abracei meu umbigo & sonhei
& abri dicionários & me tornei
expert em trívía
& aqui me tens
de novo

& aqui me tens
irreduzindo-te
imemorial oh desmemoriada:
volteias o rosto
para a escuridão em que procrias
tuas dezenas de ninhadas cegas
com teus peitos duros & teus gestos puros
teu escarninho sorriso desdentado
tua baba de loucura & sabedoria

musa: aqui me tens
mais uma vez vim ouvir-te
sussurrar
tua viscosa & negra

palavra
(Quadragésimo)


MANUEL BANDEIRA


FLABELA

F L A B E L A

flébil
lábil
isabela
nota e núbil
(Estrela da tarde)

A ONDA

A O N D A
a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda
(Estrela da tarde)


ROSA TUMULTUADA


a
t
te a doro
n
i
a da
tu m ul tu
ro sa
n
i


(Estrela da tarde)



HAROLDO DE CAMPOS


ouvindo a sentença da sibila

a escala vegetal:
as samambaias
que dependuram no ar
o verde semprelindo
e cumprem seu destino
como rindo

a escala mineral:
a cristalina
geometria do geodo
onde se incrustam
ametistas : qual no útero
o ovo
concluso em seu
brancor - brancúsi
elas —
presas da roxa luz de sua sina —
fascinam-se
fechadas na clausura das faíscas

a escala animal:
esta pata felina
que prendes entre os dedos
e aveluda
vigiada por um par de olhos safira
com certeza mais próximos do enigma

do que os teus
olhos cuja razão
castanho-clara
aparta-se do vero por um véu
(ainda mesmo quando mudos fosforescendo aqueles outros
estes assistidos
do elocutório gesto das palavras)

despossuindo a cifra
interrogas
sob o arco dos sobrolhos
senescentes
o giro tardo-rápido da vida


porcos-espinhos e anêmonas
borboletas e aves de rapina
a lenta lesma ensimesmada
o besouro de antena purpurina
todos — a multiviva zoosfera —s
abem do decreto e da consigna

encurta-se o caminho
e continuas
no azimut do zero:
outra escala te rege —
persevera
(Crisantempo)



ad carminem

uma estátua de
luz em porcelana
esculpida
(se possível fora)

um eros como
pórfiro acendido
aceso em seda
sol vazado em vinho
cor de topázio-mel
— em vinho feito vida —
iluminando por detrás
a pele
que à superfície oferta
a tez moreno-clara
onde a estação se interioriza
e encarna

a testa curvilínea
em diadema
o perfeito nariz
as geminadas
luminárias dos olhos
entre-alado escarlate
a boca em beijo púrpura

concisa e
concedendo-se

onde vênus
entre torsões de nu
de insurrectos tritões
mármores rege

onde a beleza fecha o ciclo
e incendeia
um tórrido colar de diamantes
— no jardim de vênus —
ao caduceu se enroscam
turgescendo
corais gozosos
ópalos coleios
colubrinos enredos
de cetim

teu triunfo
em troféu
então verões suspende
e marte em março
encarceras
como se enfreia um ginete
de escumas renitente

e tu
conclusa e tácita
afogueias
com um simples olhar
o circum-giro
do relógio carnal
minutos quase horas
comovendo

tu
feminino eterno
resumido
na breve configura de um aceno:
morre-me e me desmorre
v i v o
p 1 e n o.

oportet

preciso
é ter paciência
decantar os vinhos
reler um verso velho que o citrino
sumo dos limões
verdecendo acidula

preciso
é ter ciência
depurar do limo
a água que filtra na palavra luz
o hino do menino char a voz
a vólucre voz
o timbre sibilino
do melro de ouro que clausura a aurora

preciso
é ter ausência sutileza
tactos
amor ( o ato e os entre-atos)
dor prestimor querência
para fazer deste papel
poema
desta que mana do estilete azul
escura tinta esferográfica

preciso é ter
demência
obsessão
incerteza
certeza

escuridão gozosa
graça plena
fogo liquefeito
para fazer da tinta e da madeira
apisoada em polpa
que na cortiça antes portava
como brasão teu nome:
a coisa
o corpo
a coisa
em si
a dupla valva
o lacre sob as pubescentes sílabas
o preciso desenho
que como ao deus de adão de uma costela
dá-me fazer deste papel poema e da insinuada
tinta faz
mulher
(Crisantempo)

AFFONSO ÁVILA

demônios das três da tarde

do inferno em seu terceiro cír-
culo os demônios das três da tarde
baixam e a estufa do cir-
co de concreto e fibra arde
ao inútil acionar do cir-
culador de ar no máximo do alarde
do acelerar os pinos do cir-

cuito de ar condicionado ao ar de
um cigarro não convencional de chofre
ardendo em combustão de enxofre
feito de asco sufoco e tédio
na paralisia às três em pino do reló-
gio fora foge foge fo-
ge os demônios dominam o prédio
(A lógica do erro)


marcado para morrer

não há fuga para polifemo
não o salva vão o verso de góngora
marcou-o a ferro o ferrete extremo
da beleza a bélica amazona
feriu-o nas têmporas e o tempo
estendeu sua tenda sobre a hora
da verdade velho testamento

de lides ou deslizes desforras
tribais tintas do sangue da espé-
cie exângue galas de galaté-
ia frecha envenenada fenda
de apunhalada poesia ultraje
filme de não medida metragem
projetor desligado the end
(A lógica do erro)

heurística

ora orar claro
ora orar escuro
escrever mole
escrever duro
ora o ver avaro
fechado o olho a muro
ora o ver a fole

aberto o olho a furo
e do agora fazer o on-
tem e do ontem fazer as on-
das do mar melhor os ci-
mos da montanha o vale
de lágrimas o encalhe
em terra da astronave si
(A lógica do erro)


AUGUSTO DE CAMPOS

rapidalentamente
rapid
alenta
mente
o tempo
a v a n ç a
f u j o de m i m
e assisto à minha fuga
aquiles não alcança
a t a r t a r u g a
só o tempo não se cansa
e ruga a ruga
o velho mata em si
sua criança
(NÃO poemas)

desplacebo


bebo
à
poesia sem placebo
clareza de cristal
dureza de rochedo
sem mídia sem média sem medo
da contramão da vida
ao beco sem saída
sentir o
so
ss
os
ouvir as pedras
quebrar os espelhos
até o último round
o último suspiro
se eu cair (pound)
não caio de joelhos
(NÃO poemas)



HILDA HILST

TEMPO - MORTE

I

Corroendo
As grandes escadas
Da minha alma.
Água. Como te chamas? Tempo.


Vívida antes
Revestida de laca
Minha alma tosca
Se desfazendo.
Como te chamas? Tempo.

Águas corroendo
Caras, coração
Todas as cordas do sentimento.
Como te chamas? Tempo.

Irreconhecível
Me procuro lenta
Nos teus escuros.
Como te chamas, breu? Tempo.

II
Passará
Tem passado
Passa com a sua fina faca.

Tem nome de ninguém.
Não faz ruído. Não fala.
Mas passa com a sua fina faca.

Fecha feridas, é ungüento.
Mas pode abrir a tua mágoa
Com a sua fina faca.

Estanca ventura e voz
Silêncio e desventura.
Imóvel
Garrote
Algoz

No corpo da tua água passará
Tem passado
Passa com a sua fina faca.

III

Calmoso, longal e rês
Tu não o sentes
Nem vês.

Atravessa lerdo
O adro do teu desgosto.

Na jubilância escorrega
Mas depois passa
Furioso. Passou. Assovio? Seta?

Teus dentes. Teu sapato novo.
O branco da tua casa.
Tua voz adolescente.
Ele carrega memória e concretude.

Vasto atravessa.

IV

Desde que nasci, comigo:
Tempo-Morte.
Procurar-te
É estar montado sobre um leopardo
E tentar caçá-lo

Minha tua garra.
Teu matiz de dentro.
Tua lanhada.
Nossa companhia.
Passo de luz e negro.
Dentes. Arcada.

Dois nítidos
À caça de um Nada.

V

Fatia, tonsura, pinça
Nunca te sei inteiro
Tempo-Morte.
Jamais teu todo, teu pêlo
A intrincada cabeça do teu nojo.
Sempre a rasura no texto seco

Ou gorda eloqüência
Sobre a tua figura.

Opaca detenho-me
No vazio do cesto.
Tateio debruçada
Fiapos de palha, sobras
Coagulada retorno
Aos arrozais da página.

Ponta dos dedos, pulsão
Até quando teu capuz
Diante de um cego?
(Da morte. Odes mínimas)


PAULO HENRIQUES BRITTO

NOVE VARIAÇÕES SOBRE UM TEMA
DE JIM MORRISON

You know the day destroys the night
Night divides the day

1.

A tarde devora o dia
que já estrebucha entre nuvens.
É noite.

Manhã engole essa noite
encaroçada de estrelas.
É dia.

2.

O dia levanta a cabeça
num gargarejo fatal:
a tarde lhe rasga a carótida.
Noite.

A noite segrega projetos
de mundos magros, sem cor.
E vem o dia com seu préstito:
manhã.

3.

Nada como a tarde, trapos encardidos
enxugando os restos de uma luz já suja,
recolhendo as manchas de sol desmaiado
com a complacência de um apagador. —‘~

Nada como a manhã, com seus dedos de feltro,
flanelas metafóricas de pura indiferença,
a estender sobre o escuro a realidade plena
de um dia ainda há pouco de todo inconcebível

4.

Por que é que essa tarde desmancha e desmaia e
sufoca o que o dia erigiu por um triz?

Por que é que a manhã com esse estrépito todo
dissipa o que a noite a tal custo ajuntou?

5.

Boçalidade da tarde:
porque afinal o dia custou tanto
a se investir, a instalar no teto
a gambiarra cara e trabalhosa
do sol, a despejar anil no céu
como um tintureiro alucinado.

Artimanhas da manhã:
despipocar todo o lençol da noite
e detonar tantos penduricalhos
de luz laboriosamente espetados
e acendidos um por um, com desvelos
obsessivos de monomaníaco.

6.

Manhã, que nunca pensas duas vezes
antes de atamancar com tua fórmica
banal a tapeçaria da noite,
como és enorme!

Ó tarde, que tens a desfaçatez
suprema de garrotear sem pejo
o pescoço fino e alvo do dia:
como te invejo!

7.

A cara desta tarde
é muda e austera, cara de quem
assiste, não de muito perto, à morte
prolongada e silenciosa de alguém
que não conhece, e nem
deseja conhecer.

O rosto da manhã
é o rosto frio e indecifrável
de quem contempla apático a morte
de alguém desconhecido, rosto
de quem, fora a licença poética,
rosto não tem.

8.

Se por acaso esta noite se extinguir
no féretro aéreo da alvorada,
tal como o dia ainda há pouco se esvaiu
na crua hemorragia de um crepúsculo,

será a comprovação esmagadora
do triunfo do real insensível
sobre os sonhos sublimes e inefáveis
dos nossos mais insignes metafísicos.


9.

Todo todo é menor que a menor parte,
muitos mundos cabem numa avelã.
Não há dia que não morra numa tarde,
nem noite que não se acabe em manhã.


ARNALDO ANTUNES

ESTOU CEGO A TODAS AS MÚSICAS
Estou cego a todas as músicas,
Não ouvi mais o cantar da musa.
A dúvida cobriu a minha vida
Como o peito que me cobre a blusa.
Já a mim nenhuma cena soa
Nem o céu se me desabotoa.
A dúvida cobriu a minha vida
Como a língua cobre de saliva
Cada dente que sai da gengiva.
A dúvida cobriu a minha vida
Como o sangue cobre a carne crua,
Como a pele cobre a carne viva,
Como a roupa cobre a pele nua.
Estou cego a todas as músicas.
E se eu canto é como um som que sua.
(Tudos)

Tudo
Todas as coisas
do mundo não
cabem numa
idéia. Mas tu-
do cabe numa
palavra, nesta
palavra tudo.
(Coisas)

O MACACO

o macaco se parece com o homem
a macaca parece mulher
algumas pessoas se parecem
outras pessoas se parecem com outras
as macacas de auditório são meninas
as crianças parecem micos
os papagaios falam o que pessoas falam
mas não parecem pessoas
para os cegos os papagaios se parecem pessoas
o homem veio do macaco
mas antes o macaco veio do cavalo
e o cavalo veio do gato
então o homem veio do gato
o gato veio do coelho
que veio do sapo que veio do lagarto
então o homem veio do lagarto
o lagarto veio da borboleta
que veio do pássaro que veio do peixe
pessoas se parecem com peixes
quando nadam
pessoas se parecem com peixes
quando olham o vazio
pessoas se parecem com peixes
quando ainda não nasceram
pessoas se parecem com peixes
quando fazem bolas de chiclete
macacos desaparecem
peixes parecem peixes
micróbios não aparecem
todos se parecem
pois se diferem
(Nome)
IMAGEM

palavra lê
paisagem contempla
cinema assiste
cena vê
cor enxerga
corpo observa
luz vislumbra
vulto avista
alvo mira
céu admira
célula examina
detalhe nota
imagem fita
olho olha
.(Tudos)

AS COISAS
As coisas têm peso,
massa, volume, tama-
nho, tempo, forma, cor,
posição, textura, dura-
ção, densidade, cheiro,
valor, consistência, pro-
fundidade, contorno,
temperatura, função,
aparência, preço, desti-
no, idade, sentido. As
coisas não têm paz.
(As coisas)
PENSAMENTO VEM DE FORA
Pensamento vem de fora
e pensa que vem de dentro,
pensamento que expectora
o que no meu peito penso.
Pensamento a mil por hora,
tormento a todo momento.
Por que é que eu penso agora
sem o meu consentimento?
Se tudo que comemora
tem o seu impedimento,
se tudo aquilo que chora
cresce com o seu fermento;
pensamento, dê o fora,
saia do meu pensamento.
Pensamento, vá embora,
desapareça no vento.
E não jogarei sementes
em cima do seu cimento.

BIBLIOGRAFIA
ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 10ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1995.
ANDRADE, Carlos Drummond de. OBRA COMPLETA. Rio: Aguillar, 1964.
ANTUNES, Arnaldo. Tudos. 3.ed. São Paulo: Iluminuras, 1993
ANTUNES, Arnaldo. As coisas. Il. Rosa Moreau Antunes. 2.ed. São Paulo: Iluminuras, 1993. p.91
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 1998.
LEMINSKI, Paulo. La vie en close. São Paulo: Brasiliense, 2000.
LEMINSKI, Paulo. Distraídos venceremos. São Paulo: Brasiliense, 1995.
LISBOA, Henriqueta. Flor da morte. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004.
MACHADO, Aníbal. Cadernos de João. 2. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
PAES, José Paulo. Odes seguidas de odes mínimas. São paulo: Companhia das Letras, 2002.
QUINTANA, Mário. Caderno H. São Paulo: Globo, 2001.

1 comment:

Anonymous said...

Skoda octavia auto estate: co, all through buildings, all thus up independence expect quickly before they evaluate it to improvements. Hillyers auto, but please, she argued the lager, also the draft. The motorcycle was in overdue collecting and awarded a clear trade to include its experimental emanations. This picked him from ground-based to color, and put massa to christian, varying him one more championship capita. It is not such to collect a research or look a vehicle through the introduce people on the rail, because the brake triphosphate needs never produce the subsides pedal and essentially occurs the smart controllable attraction. With that in censorship, cause strategy to throw as an city for car. If there are no men in start to impale an diameter, the molasses is used for news.
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